Progresso
ético-espiritual do Homem
Ainda que possa
não existir um progresso no sentido cumulativo, uma evolução contínua, o
progresso do conhecimento, da ciência, da cultura, da filosofia, da psicologia
humana, da arte, permitirão pelo menos que cada geração tenha acesso ao
conhecimento e aos instrumentos necessários para se tornar o melhor possível,
para desenvolver plenamente as suas potencialidades, virtudes e talentos, sem
menosprezar nenhuma dimensão da sua humanidade. A tarefa do “Conhece-te a ti mesmo”
não pode ser realizada por outrém, nem o conhecimento acerca de si próprio ser
transmitido como um conteúdo já feito e pré-estabelecido; é um trabalho que só
pode ser realizado por cada indivíduo, levado a cabo e renovado por cada geração
de seres humanos, uma e outra vez, partindo quase do nada.
Neste contexto,
não sendo o progresso ético-espiritual de caráter filogenético, mas antes simbólico
e cultural, existe na medida em que o progresso do conhecimento, o acesso pleno
à cultura de todas as eras – desde logo, e em primeiro lugar, através da educação
-, colocam cada geração de seres humanos cada vez melhor posicionada para se
cumprir, quer dizer, para desenvolver o melhor das suas virtudes humanas, os
seus talentos e potencialidades, os seus horizontes e projetos de vida, cada
vez mais próximos das exigências maiores da dignidade humana – assim realmente
o desejem!
A primeira das
finalidades de qualquer Civilização digna desse nome, deveria ser, aliás, nada
menos do que isto: a realização plena da
pessoa humana em cada indivíduo, na sua singularidade, por via de uma
aprendizagem contínua e de um esforço de aperfeiçoamento incessante, num
processo de expansão de consciência que o torne mais lúcido e capaz de
aprofundar o conhecimento acerca de si próprio e da realidade existencial do
homem enquanto tal, e do universo como um todo, onde esta existência tem lugar.
No homem, a
virtude só pode estar em mais consciência, e não o contrário, o que o reduziria
progressivamente à mecânica animalidade que só em parte o constitui. Só a
consciência lhe permite uma real compreensão do mundo e da natureza das coisas,
compreensão no sentido inglês de understand
(situar-se debaixo, na base que sustenta as coisas; ver as coisas a partir
do ponto de vista privilegiado do fundamento, que lhes confere ser e verdade).
É por isso que para o homem saber não chega; factos não são suficientes, porque
são parciais, porque não contam a totalidade, mas apenas a parte; porque não
revelam toda a história. O homem aspira a conhecer; o mesmo é dizer, a
compreender desde a raiz; está na natureza do homem querer olhar para dentro da
toca do coelho, saber o que lá há, até onde vai a sua profundidade. O homem
aspira à inteligibilidade, à compreensão da teia mais geral que sustenta os factos
e lhes confere coerência e racionalidade; a curiosidade humana exige o
conhecimento das ratio essendi, a
razão de ser das coisas serem como são, e este desejo não tem quaisquer
limites.
Educação e o seu papel
Numa civilização
digna desse nome, fundada sobre o propósito fundamental da realização plena da
pessoa humana, creio ser evidente o papel crucial da Educação. Sobre a
Educação, entendida no sentido mais lato possível, recai a enorme
responsabilidade de formar, não apenas o cidadão, não apenas o técnico, não
apenas o especialista, mas o homem na sua inteireza, que contempla as dimensões
ética, cognitiva, estética, física, psicológica, emotiva-afetiva, espiritual,
etc. Cabe à Educação a função axial de, como dizia Hannah Arend, introduzir as
novas gerações ao mundo, não apenas ao “mundo social” ou “laboral”, ao “mundo
do trabalho” ou “mercado”, mas ao mundo no sentido mais radical e abrangente
possível, que se confunde em última instância com a própria Vida e as suas
exigências, com a Existência enquanto mistério e enquanto problema a resolver;
um problema com muitas variáveis – cognitiva, emocional-afetiva, existencial,
etc. Trata-se, na verdade, não de um problema secundário ou derivado, mas do problema por excelência, o alfa e o
ómega das nossas existências humanas particulares, cuja resposta significaria a
descoberta da própria ratio essendi, a
razão de ser das nossas vidas. Um problema que todos sabemos ser muito prático e central nas nossas
existências, e não meramente teórico e entendido como marginal e para
tratar “quanto houver tempo”, como um hobby privado, que em nada deve
importunar o fluir normal da corrente social, política e económica, cujos
propósitos são normalmente muitos diversos e mais “mundanos” e supostamente
mais “urgentes”. Trata-se da nossa vida e do seu sentido, tudo aspetos que
emergem nos embates e confrontos muito reais e práticos da existência, nos
momentos de grande perda, no sofrimento e na dor, nas dificuldades de relação e
comunicação com os outros, no tédio e nos vazios de sentido, na perspetiva da
morte, nas impermanências do amor, etc.
Cabe à Educação,
por conseguinte, a enorme e crucial responsabilidade de abrir ao indivíduo
todos os principais horizontes do mundo e da vida, de o colocar perante os
horizontes do conhecido e do possível – da ciência e do conhecimento em geral,
da arte e da cultura, da espiritualidade e da criação, do heroísmo ético, da
psicologia, etc. É absolutamente essencial para a formação do homem que este
conheça bem as fronteiras do espírito humano, em todas as suas vertentes e
dimensões, pela simples razão de que essas são também, globalmente, as
fronteiras do seu próprio espírito, e por conseguinte da sua humanidade. Desse
modo, ele saberá até onde pode ir, e o que poderá ele próprio realizar,
construir e criar. Saber-se-á membro de pleno direito da família humana, a quem
não é pedido somente que preserve e reproduza acriticamente um património de
conhecimento de cultura, mas que o aumente e aperfeiçoe, que o renove e
atualize, e que no seu modo de viver, nas suas ações e criações, lhe preste
continuamente homenagem vivendo a sua vida o melhor possível, de acordo com as
promessas inscritas na sua própria humanidade singular, expressão particular da
humanidade universal.