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O sentido remete-nos para um caminho, uma direção. Não há sentido, porém,
sem um propósito a atingir, uma intencionalidade com vista a uma finalidade. O
sentido pode também ser visto como compreensão,
como integração da parte no todo, como contextualização que atribui
inteligibilidade, “razão de ser”, significado. A parte só obtém plena
inteligibilidade e significado no contexto da totalidade onde se insere.
O sentido é finalidade, mas também é causa. Na prossecução de um
determinado fim o sentido suprime o caos, a aleatoriedade, a desordem, abrindo
caminho à organização, formando e (in)formando. O Sentido “dá-sentido”, e ao
dar-se cumpre-se. Isto é o mesmo que dizer: a essência do Sentido é
precisamente a causa da existência daquilo ao qual o sentido se dá. Assim, ao “dar-se”
naquilo que existe é o próprio sentido que se cumpre na sua essência.
Poderíamos afirmar, neste contexto e nesta perspetiva, que a existência
de tudo o que existe, inclusive do homem, se inscreve no plano essencial do consumar
de uma finalidade, de um sentido. Nem a essência precede a existência, nem a
existência precede a essência. Antes, a existência
é a própria essência a ter lugar, a
acontecer. Neste contexto, sempre que algo existe,
acontece e tem lugar, é o próprio
Sentido que se desdobra na sua própria natureza e finalidade. Diríamos, em
termos heideggerianos, que a existência do homem é indissociável da essência do
ser. Isto é o mesmo que dizer que a existência do homem é a projeção
(ec-sistência) da essência do próprio ser no plano da espacio-temporalidade. A
essência ou natureza do homem será, portanto, a de “ser-no-mundo”.
Neste contexto, poderíamos substituir “ser” por “Sentido”. A essência do
homem consistirá na consumação vital de um sentido que desconhece. O Sentido,
entendido desta forma, revela-se continuamente enquanto continuamente existe.
Ao mesmo tempo, porém, permanece oculto a quem não é capaz de o ler. O sentido
– natureza – do homem não consistirá,
porém, meramente em viver ou em deixar-se
viver. Não é por deixar-se viver
ou viver alienado do pensar e desse profundo “apelo do ser” de que Heidegger
fala, que ele contribui para a consumação do sentido, à semelhança de uma
pedra, uma bactéria ou um gato. Pois, a pedra, a bactéria e o gato não se
dedicam a pensar o sentido, pois disso verdadeiramente não sentem nenhuma
necessidade. Apenas são. Também o homem apenas é, mas ser para o homem é mais do que apenas deixar-se ser. O homem
tem necessidade de sentido e de sentidos. O homem tem necessidade de dar
resposta ao absurdo e à estranheza perante a existência e os existentes. As respostas que dá são,
elas próprias, construções de sentido e de significado. O homem será o único
ser vivo, tanto quanto sabemos, que formula para si próprio finalidades, objetivos
e normas de ação com vista à concretização e consumação de propósitos. É desta
forma que o homem responde ao “apelo do ser”, apelo que não reside fora de si,
nem sequer num qualquer plano transcendente ou “coisa-em-si”, mas dentro de si
próprio. O “apelo do ser” é o apelo da essência ou natureza do homem ao próprio
homem para que continuamente se esforce para “dar-sentido”, para que conduza à
ordem o caos e o absurdo que continuamente o interpelam.
Muitas são, para o homem, as formas de “dar-sentido”. Religião,
metafísica, ciência. A perda do sentido
é sempre a perda do contexto. Dizer
isto é dizer que a decadência do sentido é contemporânea da decadência de uma
determinada mundividência ou paradigma globalizante. Porque todos os paradigmas
e mundividências são essencialmente históricos, o homem sempre se vê na
necessidade de reinventar o sentido; porque
as mundividências são sempre temporárias, o homem sempre se vê na necessidade
de justificar de si para si mesmo o seu lugar, a pertinência e a “razão-de-ser”
do seu “estar-no-mundo”.
Sempre de acordo com o seu daimon interior
(o apelo do Sentido) o homem continuará sempre em busca de novos sentidos e
significados que expliquem o seu lugar no mundo e o próprio mundo. Nesta
continua edificação do sentido, talvez um dia o homem venha a ser capaz de
satisfazer plenamente o apelo que sempre o inquietou. Talvez um dia seja capaz
de “ler o Sentido” que continuamente se revela e ao mesmo tempo se esconde em
tudo o que acontece e tem lugar. Contudo, ler o sentido será
sempre dar-lhe significado, que é o mesmo que dizer torná-lo inteligível
“vestindo-o” com as vestes da linguagem e do símbolo. Talvez não tenhamos ainda
a linguagem adequada para o fazer.
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