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domingo, abril 15, 2012

O "apelo do Sentido" e a essência do homem


Escher


O sentido remete-nos para um caminho, uma direção. Não há sentido, porém, sem um propósito a atingir, uma intencionalidade com vista a uma finalidade. O sentido pode também ser visto como compreensão, como integração da parte no todo, como contextualização que atribui inteligibilidade, “razão de ser”, significado. A parte só obtém plena inteligibilidade e significado no contexto da totalidade onde se insere.
O sentido é finalidade, mas também é causa. Na prossecução de um determinado fim o sentido suprime o caos, a aleatoriedade, a desordem, abrindo caminho à organização, formando e (in)formando. O Sentido “dá-sentido”, e ao dar-se cumpre-se. Isto é o mesmo que dizer: a essência do Sentido é precisamente a causa da existência daquilo ao qual o sentido se dá. Assim, ao “dar-se” naquilo que existe é o próprio sentido que se cumpre na sua essência.
Poderíamos afirmar, neste contexto e nesta perspetiva, que a existência de tudo o que existe, inclusive do homem, se inscreve no plano essencial do consumar de uma finalidade, de um sentido. Nem a essência precede a existência, nem a existência precede a essência. Antes, a existência é a própria essência a ter lugar, a acontecer. Neste contexto, sempre que algo existe, acontece e tem lugar, é o próprio Sentido que se desdobra na sua própria natureza e finalidade. Diríamos, em termos heideggerianos, que a existência do homem é indissociável da essência do ser. Isto é o mesmo que dizer que a existência do homem é a projeção (ec-sistência) da essência do próprio ser no plano da espacio-temporalidade. A essência ou natureza do homem será, portanto, a de “ser-no-mundo”.
Neste contexto, poderíamos substituir “ser” por “Sentido”. A essência do homem consistirá na consumação vital de um sentido que desconhece. O Sentido, entendido desta forma, revela-se continuamente enquanto continuamente existe. Ao mesmo tempo, porém, permanece oculto a quem não é capaz de o ler. O sentido – natureza – do homem não consistirá, porém, meramente em viver ou em deixar-se viver. Não é por deixar-se viver ou viver alienado do pensar e desse profundo “apelo do ser” de que Heidegger fala, que ele contribui para a consumação do sentido, à semelhança de uma pedra, uma bactéria ou um gato. Pois, a pedra, a bactéria e o gato não se dedicam a pensar o sentido, pois disso verdadeiramente não sentem nenhuma necessidade. Apenas são. Também o homem apenas é, mas ser para o homem é mais do que apenas deixar-se ser. O homem tem necessidade de sentido e de sentidos. O homem tem necessidade de dar resposta ao absurdo e à estranheza perante a existência e os existentes. As respostas que dá são, elas próprias, construções de sentido e de significado. O homem será o único ser vivo, tanto quanto sabemos, que formula para si próprio finalidades, objetivos e normas de ação com vista à concretização e consumação de propósitos. É desta forma que o homem responde ao “apelo do ser”, apelo que não reside fora de si, nem sequer num qualquer plano transcendente ou “coisa-em-si”, mas dentro de si próprio. O “apelo do ser” é o apelo da essência ou natureza do homem ao próprio homem para que continuamente se esforce para “dar-sentido”, para que conduza à ordem o caos e o absurdo que continuamente o interpelam.
Muitas são, para o homem, as formas de “dar-sentido”. Religião, metafísica, ciência. A perda do sentido é sempre a perda do contexto. Dizer isto é dizer que a decadência do sentido é contemporânea da decadência de uma determinada mundividência ou paradigma globalizante. Porque todos os paradigmas e mundividências são essencialmente históricos, o homem sempre se vê na necessidade de reinventar o sentido; porque as mundividências são sempre temporárias, o homem sempre se vê na necessidade de justificar de si para si mesmo o seu lugar, a pertinência e a “razão-de-ser” do seu “estar-no-mundo”.
Sempre de acordo com o seu daimon interior (o apelo do Sentido) o homem continuará sempre em busca de novos sentidos e significados que expliquem o seu lugar no mundo e o próprio mundo. Nesta continua edificação do sentido, talvez um dia o homem venha a ser capaz de satisfazer plenamente o apelo que sempre o inquietou. Talvez um dia seja capaz de “ler o Sentido” que continuamente se revela e ao mesmo tempo se esconde em tudo o que acontece e tem lugar. Contudo, ler o sentido será sempre dar-lhe significado, que é o mesmo que dizer torná-lo inteligível “vestindo-o” com as vestes da linguagem e do símbolo. Talvez não tenhamos ainda a linguagem adequada para o fazer.

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