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quinta-feira, outubro 21, 2010

Refundar o Regime - o divórcio que mata a democracia



Quando as pessoas já não se revêem nem se sentem representadas por uma determinada classe política, talvez esteja na altura de mudar. Os partidos, como acontece com as pessoas e com tudo na vida, têm uma história, uma razão de existir que radica num determinado contexto social, político, enfim, epocal. A crise das democracias, hoje, nomeadamente no nosso país, tem a ver com este progressivo, lento mas corrosivo, divorciar entre as populações representadas e as classes representativas; entre os políticos e as suas estruturas, e a dita sociedade civil.

As democracias mais frescas e participadas são, quase sempre, aquelas onde poder político emana directamente dos sectores activos da sociedade civil. Aqueles que formaram as fileiras dos primeiros aparelhos partidários estavam longe de ser aquilo que hoje se chama de político profissional. Eram antes personalidades distintas, industriais, empresários, professores, proprietários rurais, filósofos, escritores, que souberam, num determinado contexto social e político, fundir ideias e actos, pensar e agir de modo a fazer história, a fundar nações e regimes. Foi assim nos EUA, no conturbado mas rico período da sua fundação. Foi assim em Portugal, no conturbado mas rico período do vintismo, do setembrismo, ambos manifestações de um liberalismo que haveria de dar mote à fundação de um frágil regime republicano. Se quisermos ir bem mais atrás, foi assim na Grécia Antiga, quando os cidadãos eram chamados a cumprir a sua função no governo da cidade, para além da sua função ou profissão comum. As forças vivas da democracia ou, se quiserem, da república, estão nos diversos sectores que constituem a própria sociedade, sejam eles económicos-produtivos, culturais, educacionais, sociais, de baixos ou altos rendimentos, instruídos ou menos instruídos, científicos, etc.

Não é admissível que numas eleições, como aconteceu há um ano com as legislativas, se assista a uma percentagem de abstenção na ordem dos 60%! Se por um lado se deve imputar a culpa aos políticos, por outro não se deve deixar de imputá-la às pessoas que se demitem de querer fazer alguma coisa para alterar o estado de coisas. Hoje, como no passado, é urgente que novas forças políticas venham à luz do dia, emanadas das forças vivas da sociedade, renovando a aliança entre governantes e governados, expressão de uma só sociedade que, em última análise, se governa a si própria. Não se pede que se eliminem os actuais partidos, mas que estes deixem de ser tão abertos ao clientelismo e à mediocridade, e deixem de dar cobertura aos carreiristas para abrirem, de par em par, as portas à sociedade, ao mérito dos que sabem porque fazem, e aos que fazem por que sabem. Do que precisamos também é de novos partidos, novos movimentos de cidadãos, novas associações civis que facilitem a participação anónima dos cidadãos comuns, que sejam atalho limpo e largo que facilite o intercâmbio entre o cidadão e o decisor político. É preciso religar o poder às pessoas, procedendo a reformas sérias do sistema eleitoral que façam emanar os representantes políticos das regiões que estes melhor conhecem, porque nelas nasceram e viveram, ou porque nelas trabalham. Isto não é possível num país em que os deputados à AR são escolhidos no interior dos aparelhos partidários mediante afinidades políticas – quando não por simples amizades e troca de favores –, colocados em listas representando círculos eleitorais dos quais nada conhecem, e depois eleitos a reboque de um partido. Isto mina a confiança na política e no sistema. É deste tipo de coisas que o país tem de se livrar rapidamente. É preciso refundar a república. A questão é: teremos gente à altura para assumir compromissos neste sentido? Temos, claro que sim. E nenhum deles é político profissional.

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