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terça-feira, janeiro 26, 2010

Um pseudo-orçamento de um pseudo-país



Muito se tem falado nos últimos dias desse tal “orçamento de Estado”. Este orçamento – aliás como todos os orçamentos – mais não é do que uma previsão das despesas e receitas para um determinado ano. Sublinho o facto de ser uma previsão. Sabemos bem o valor das previsões neste nosso país à beira mar plantado. São em geral feitas por baixo, e terminam quase sempre em monumentais derrapagens, à semelhança dos orçamentos para as grandes obras. Será este uma excepção? Não, nem perto disso, sobretudo se tivermos em conta que é um orçamento gizado sob a supervisão e orientação de Bruxelas, das instituições económicas internacionais, e da pressão política interna. É um orçamento em grande medida construído para agradar, para serenar ânimos e acalmar oposições. É um orçamento ligado inexoravelmente ao futuro de um governo.

Portugal vive garrotado pelas imposições da burocracia belga. Há muito que perdemos a nossa soberania económica, e até, em larga medida, a política. Mas ocorre-me também que é um processo natural, herdeiro da integração europeia e de uma concepção da soberania dos estados que atribui primazia à abertura do mercado dissolvendo todas as fronteiras e esbatendo nacionalismos. Esta realidade não é absolutamente má, muito pelo contrário. Contudo, a cada orçamentação, Portugal vê-se obrigado a corresponder às exigências, aos pactos de estabilidade, às regras europeias. Uma observação rápida e desapaixonada da actuação do governo obriga a uma não menos rápida – ainda que não totalmente rigorosa – conclusão: o governo é apenas o fiel tradutor da legislação e regulamentação de Bruxelas. Surge manietado, sem capacidade de manobra ou de real decisão. É mandatado, não por quem o elege, mas por quem dita as regras na Europa. Assim sendo, é indiferente que seja um governo de esquerda, direita ou centro. Chegado ao poder, cumpre-lhe simplesmente obedecer e fazer cumprir as regras impostas, sob pena de se ver processado e eventualmente multado nas instâncias europeias por “incumprimento”. A regulação é fundamental, e evita muitos perigos. Contudo, coarcta factualmente a liberdade e margem de manobra de um governo para resolver os problemas estruturais do seu país. Como e com que moral Bruxelas impõe a manutenção do défice abaixo dos 3 por cento, se não revê ao mesmo tempo o regime de quotas, regime obsoleto e verdadeiro espartilho do desenvolvimento económico? Como e com que meios um governo pode baixar impostos de forma real e significativa de modo a aliviar famílias e empresas, se vive ameaçado com o espectro da coacção europeia?

Um dos maiores erros do nosso actual governo foi ter emitido dívida pelas piores razões. Quando – aparentemente – o défice estava controlado, surgiu uma crise financeira internacional que obrigou os governos a emitirem dívida para darem garantias a bancos e sustentarem políticas sociais. Curiosamente – e até um pouco estranhamente – Bruxelas deu aval à emissão de dívida para a maioria dos estados, sempre com a retórica de que o sistema financeira estava a colapsar e havia risco sistémico evidente. Em Portugal, uma só nacionalização obrigou o estado a “enterrar” mais de 2 mil milhões de euros, já para não falar na garantia de 20 mil milhões às diversas instituições bancárias - se há garantia, há dinheiro, e se não há dinheiro, há dívida potencialmente emitida -. Em dois anos, o défice público cresceu de 3 por cento para 8, sendo que neste momento – segundo números do governo – está nos 8,7 por cento. A pergunta que eu faço é simples, e é a seguinte: não teria sido mais proveitosa a emissão de dívida para que se baixassem significativamente os impostos? Quantas empresas teriam sido salvas? Quantos postos de trabalho se teriam mantido? Quantos milhões o Estado teria poupado em prestações sociais, e quantos outros milhões arrecadaria através de receitas fiscais provenientes de empresas funcionais, bem como dos correspondentes trabalhadores? Isto seria, acredito eu, uma política de longo prazo, sustentada e inteligente, ao contrário da política que tem sido seguida, imediatista e sempre obcecada com a manutenção do equilíbrio orçamental.

É óbvio que o país não pode endividar-se ad infinitum. O imediatismo das medidas obsessivamente centradas no equilíbrio da balança do Estado é inimigo do desenvolvimento, pela simples razão que o verdadeiro equilíbrio das contas não se resolve com aumento de impostos de ano para ano, nem com perseguição fiscal, nem com privatizações à la carte. Resolve-se com fortalecimento da sociedade civil, com a pujança dos projectos individuais e colectivos, com desgarroteamento fiscal e aposta na produtividade. Em paralelo com isto, é preciso reduzir a despesa excessiva do Estado, começando pela despesa corrente da classe dirigente que deve ser mais eficiente e menos "pomposa". A reforma da administração faz-se do topo para baixo, e não ao contrário. É urgente largar certos atavismos próprios de um Estado ainda muito dado a "tiques monárquicos", e apostar na eficácia, nos recursos humanos qualificados, na ideias.

Atenção: com isto não estou de modo nenhum a desresponsabilizar o governo. Ele é em grande medida cúmplice deste estado de coisas, demonstra uma visão deficiente em relação ao país, bem como em relação ao verdadeiro caminho a seguir. Revela subserviência e falta de poder negocial com as instâncias europeias. Nem o facto do Presidente da Comissão Europeia ser português serviu de alguma coisa na hora de negociar.

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