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segunda-feira, outubro 05, 2009

5 de Outubro de 1910 - Quem somos, de onde vimos, para onde vamos...


Neste 5 de Outubro permitam-me começar por dar a conhecer algumas das extraordinárias pérolas acerca dos significado dos símbolos da bandeira portuguesa, veiculadas pela SIC numa entrevista de rua. Alguns, quando questionados, simplesmente abanavam a cabeça sorrindo complacentemente com a sua própria ignorância, como se se tratasse de uma virtude e não de uma grave falta. Uma senhora, quando questionada acerca do significado dos cinco castelos, respondeu que se tratava do símbolo da “Anarquia”, porque nós “vivíamos em regimes de anarquia”... O marido, tão ou mais ignorante, anuiu à extraordinária resposta da esposa com um tímido “pois”. Um outro, até bastante jovem, respondeu com a memória fresca do que aprendeu em tempos, dos livros de escola, que o verde significa a esperança, e o vermelho o “sangue derramado”. Já quando questionado acerca da esfera armilar, disse que naquela altura não se lembrava... Saber ou não o significado das cores não me parece tão importante como perceber – aliás bastante intuitivamente – que a esfera armilar representa a nossa vocação globalizadora, ou seja, a epopeia dos descobrimentos. A esfera é a metáfora do globo terrestre. Intuitivo, não é?

Quer-me parecer que os portugueses não só andam divorciados da política, não só se abstêm de um direito que é só deles e que consiste em escolher quem governa – 36 por cento de abstenção nas últimas eleições - como andam descasados da portugalidade e de tudo o que isso significa. É grave, não há dúvida. E seria só grave se a ignorância se limitasse aos símbolos da portugalidade, mas sabemos que ela é muito mais ampla e abrangente, atinge todos os domínios não só da portugalidade mas também da humanidade. A ignorância é, hoje, um modo de vida. É “normal” não saber; é normal sorrirmos complacentemente o facto de não sabermos; é normal sorrirmos complacentemente daqueles que não sabem. Porquê? Porque o que interessa é ter competências “práticas”, “tecnológicas”. Numa palavra que parece tudo resumir – “úteis”! Agora, isso de saber o nome do rei ou a origem do hino, ou a data da implantação da república... isso são curiosidades, úteis apenas para quem gosta de ser divertir a jogar trivial pursuit com os amigos ou a família. Caprichos dignos de quem não tem mais nada para fazer, de quem não trabalha, de quem “tem tempo para perder a ler livros, ou a ver documentários do canal história...”

Não há tempo; não há paciência; isso são caprichos de quem não tem mais nada em que pensar. Eis as três grandes razões apresentadas por todos aqueles que não sabem nem querem saber. A minha questão é simples: como podemos compreender para onde vamos, se não sabemos de onde viemos? Como podemos construir futuros sobre passados mal compreendidos? Como se pode ser português sem se conhecer Portugal? Ou ser português é ser apenas adepto da selecção e comprar bandeiras nos chineses com pagodes em vez de castelos? Até os americanos, cuja capacidade de romper com as instituições antigas é lendária, construiram o seu país na base de modelos clássicos de governo, sobretudo baseados na república romana. Ou seja, para se ser inovador, não é preciso romper-se radicalmente com o passado, pois isso conduz a totalitarismos e a desorientação geral.

Há uma grande diferença entre ser-se nacionalista, e ser-se português. Não se pede aos portugueses que sejam nacionalistas, pois o nacionalismo é outra grave e perigosa forma de ignorância. Também ele implica desconhecimento da história e, ainda mais grave que isso, deturpação. O futuro não implica fechamento ou política do “orgulhosamente sós”. O futuro – assim como aconteceu no passado – implica abertura, gosto pelo risco, pela aventura e pelo conhecimento. Ser português é ser global, pois foi Portugal o primeiro país a fazer algo parecido com globalização no sentido em que hoje a entendemos. Não só levamos cultura como a trouxemos. Influenciámos e fomos influenciados. Tivemos um longo império, o mais longo mesmo em comparação com o império romano! Fomos os primeiros a conquistar – Ceuta em 1415 -, e os últimos a perder – Macau em 1999 -. Antes disso, éramos já um país independente desde 1143. No total, desde a fundação da nacionalidade até à conquista de Ceuta passaram 272 anos, e até à descoberta do caminho marítimo para a Índia passaram-se 355. Bastaram a Portugal menos de quatro séculos para obter os conhecimentos, a coragem e os meios para se lançar à descoberta. É verdade que, pelo caminho, foram muitos os erros, as vicissitudes, as imoralidades cometidas e sancionadas pela cristandade da qual parecíamos ser uma espécie de arautos.

O 5 de Outubro representa o fim de 767 anos de monarquia. Só para o ano conseguiremos completar 100 anos de república, ou seja, 1/13 do total de anos que vivemos em monarquia. Não pretendo defendê-la, pois acredito nas muitas virtudes da república. As pessoas têm de se governar a si mesmas, como se pretende de uma sociedade adulta feita de cidadãos, e não de súbditos. Acredito que toda a história tem uma palavra a dizer, e é mais que certo que os primeiros anos da república foram de um radicalismo iconoclasta extremo cuja única virtude foi conduzir-nos ao Estado Novo. Já para não falar nos terroristas da carbonária...

É simples: ou um povo aprende a viver “sem pai”, ou está condenado a que apareçam muitos pais bem mais duros que o primeiro.

Saber não ocupa lugar e evita dizer - e fazer - asneiras.

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