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terça-feira, agosto 18, 2009

Sobre o método de Aconselhamento Ético-Filosófico




Transcrevo um pequeno artigo que escrevi acerca do conceito de aconselhamento ético-filosófico para esclarecimento geral.


Sobre o Aconselhamento

É necessário clarificar conceptualmente o conceito do aconselhamento EF. Para ter alguma credibilidade, é necessário que se apresente com uma base mais ou menos científica, com métodos próprios conducentes a resultados verificáveis. Desta forma, e enunciando genericamente, o aconselhamento ético filosófico tem como objectivo orientar o cliente num processo de auto-compreensão do seus modos de pensamento, das suas concepções acerca da vida, do mundo, dos valores, bem como dos erros patentes nestas mesmas concepções. De uma forma quase socrática e maiêutica, o conselheiro deve ser capaz de colocar as questões certas, de forma a orientar o clt nos caminhos das suas próprias opiniões, conceitos, ideias, sonhos, para que este tenha consciência das concepções que estão na base da sua acção, e, em última análise, das suas felicidades ou infelicidades. O conselheiro deve ajudar o cliente a ver para além dos seus próprios preconceitos (pré-conceitos), e da falibilidade inerente aos mesmos, conduzindo-o, em termos ideais, a mudanças de paradigma de pensamento e de acção. É aquilo a que chamo de Metanóia. O conselheiro é aquele que ajuda o cliente a ver para além do Véu de Maya dos seus próprios pensamentos e conceitos mais imediatos, rotineiros e cristalizados. Filosoficamente falando, o conselheiro procura compreender a causa, a origem do preconceito que pode derivar de um erro de pensamento, um paralogismo, uma premissa que conduziu a uma sucessiva sedimentação de crenças feridas do erro da premissa original. Obviamente, o preconceito pode também derivar de uma experiência traumática, e compreender tal experiência pode também estar ao alcance do conselheiro filosófico. Embora os aspectos patológicos da experiência só possam ser devidamente compreendidos pela psicologia e pelos seus métodos, é preciso não esquecer que por detrás de uma experiência está um pensamento. Não existe experiência sem pensamento, e não existe pensamento sem conceitos. Embora o preconceito possa ser aprendido, através da sociabilização, da educação e por virtude de se estar inserido num contexto social-político-ideológico, este deriva também originalmente de uma experiência. No primeiro, estão em causa estruturas simbólicas e semióticas que se auto-reproduzem conduzindo a novas estruturas (Saussure). Estas estruturas culturais, à semelhança do que afirmava Saussure, são independentes, ou seja, o sujeito torna-se um reprodutor de estruturas semióticas que o antecedem. Parece não haver verdadeira liberdade de acção e criação, inclusive porque o próprio inconsciente é ele mesmo uma estrutura linguística (Lacan). Em última análise, a causa da acção é o pensamento, e o pensamento é feito de linguagem, que por sua vez é causado por estruturas semióticas e simbólicas que se situam num contexto maior, histórico por natureza. Portanto, quanto mais um ser humano compreender a estrutura do seu próprio pensamento, e o modo como esta estrutura se relaciona com o contexto simbólico em que está inserido, tanto melhor para atingir o objectivo máximo da felicidade. As experiências têm o dom de reforçar estruturas, simbolos e semiologias, e quando a experiência é particularmente traumática, torna-se numa espécie de verdade fundacional que justifica e corrobora enunciados indutivos, cujo risco maior está em se tornarem axiomas para onde toda a experiência futura remeterá. É uma espécie de ciência inversa. Esses axiomas transformam-se em arreigados preconceitos que condicionam a acção. É no perigo da generalização que radica o erro; é daqui a que nasce a irracionalidade da acção.

É dever do conselheiro permitir ao cliente que tome consciência desta irracionalidade, e do modo como esta atitude do sujeito põe em causa a reflexão acerca dos problemas e dilemas que o atormentam. Há um exercício que talvez seja interessante que é o de colocar o sujeito fora de si mesmo, permitindo-lhe observar o seu pensamento a partir de uma perspectiva exterior. É sempre mais fácil compreendermos algo a partir de uma perspectiva exterior, sem estarmos comprometidos com ela, seja de um modo afectivo ou identitário. Quando somos portadores de opiniões, ideias ou concepções, estas não são exteriores a nós mesmos. São de facto nós mesmos. Fazem parte do nosso ser, da identidade que somos e vamos construindo. Não podemos fazer uma análise objectiva dos mesmos sem a devida distanciação. Por isso, o conselheiro pode solicitar ao cliente que anote num papel as suas palavras, que transforme em proposições escritas as suas principais concepções acerca de questões particulares. Pode depois pedir ao cliente que parta do princípio que tais enunciados foram feitos por uma outra pessoa. Alternativamente, pode apresentar-lhe os enunciados algum tempo depois de ter iniciado as consultas, de forma inclusive a avaliar os progressos obtidos. A este método chamo de análise objectiva de enunciados subjectivos. Pode ser solicitado ao cliente que faça isto recorrentemente, à medida que os seus próprios paradigmas vão sendo reformulados. Contudo, deve partir sempre, em larga medida, da consciência do próprio cliente. Talvez seja verdade a ideia implícita no obra de Santo Agostinho, O Mestre, de quem não temos a capacidade de ensinar sejo o que for a alguém, porque não podemos compreender por esse alguém. A compreensão que conduz à mudança tem de ser realmente compreendida pelo indivíduo, não lhe pode ser imposta.

Dilemas éticos

Só existem dilemas éticos porque existe o compromisso com valores. Quem não tem qualquer tipo de comprometimento consciente ou inconsciente com valores morais e éticos, não tem qualquer tipo de conflito pessoal na hora de agir. Assim, o conselheiro deve em primeiro lugar ajudar o cliente a clarificar os valores com os quais está comprometido. Se surge um dilema ético, uma decisão a tomar, talvez seja melhor saber primeiro o que se pretende com tal decisão, ou seja, qual o verdadeiro objectivo, a causa primeira da acção que se pretende empreender. Para Aristóteles, o objectivo da Ética consiste em ter uma «vida boa». O imperatívo fundamental é o de compreender o modo como a virtude nos permite ter uma vida que corresponda ao que queremos e não ao quer achamos que queremos, ou simplesmente nos apetece. Savater, na sua Ética para um Jovem, faz uma análise muito interessante desta questão. Se alguém lhe apetece comprar uma mota, talvez essa pessoa evitasse gastar dinheiro – ou quem sabe ter um acidente mortal – se tentasse perceber qual é o verdadeiro objecto da sua vontade. Quer a mota pela mota, ou quer é mota porque esta lhe dá uma sensação de liberdade? Se a pessoa entender que o que ela procura verdadeiramente é liberdade, talvez possa encontrar outros meios de lá chegar. Por exemplo: ontem enquanto falava com uma amiga, esta apresentou-me um dilema ético típico para o qual seria interessante encontrar uma solução no âmbito do aconselhamento. Ela vai para Lisboa com o objectivo de fazer vida a longo prazo com o namorado, visto que ele é de lá. Como é obvio, um dos requisitos para mudar de cidade é o de ter um emprego minimamente estável. Depois de algumas semanas de procura, parece ter encontrado o emprego que procurava num infantário em Oeiras. Contudo, a vaga em questão existe porque a funcionária que a ocupava está doente – provavelmente com um cancro – e está, portanto, de baixa. A questão é a seguinte: se a mulher recuperar poderá voltar, em princípio, ao emprego, e a minha amiga é despedida. Se ela não recuperar e até falecer, a minha amiga terá o contrato renovado e poderá aspirar a um futuro dentro daquele infantário. A minha amiga está numa espécie de dilema, pois coloca as coisas em termos de «o mal dela será o meu bem». Ou seja, ela deseja ardentemente um emprego a longo prazo naquele infantário, mas, por outro lado, não deseja a morte da antiga funcionária. Como enfrentar este dilema? Em primeiro lugar, penso que é necessário clarificar o que está por trás deste conflito interior, ou seja, quais os valores com os quais a minha amiga está comprometida. Obviamente, se a questionar ela me dirá que «o respeito pela vida» está acima de qualquer outro valor, embora eu possa contra-argumentar que é igualmente legítimo «o direito à realização e ao trabalho». Claro, ela dir-me-á que esse direito só tem fundamento se não implicar a desgraça de ninguém! Está em causa o valor do mérito individual. Ainda que eu lhe diga que não está em causa o seu mérito individual, e que ela não tem qualquer responsabilidade no que está a acontecer com a outra funcionária, ela acredita que, ao permitir a situação, está a ser cúmplice do que lhe pode vir a acontecer. Portanto, a raiz do conflito ético está no acreditar que se é parte, ou que se tem cota de responsabilidade nas vicissitudes de outrém, porque, neste caso particular, estará a pactuar conscientemente com a desgraça do outro. A questão é: estaria a pactuar quando? Em que momento? Porque, se se mantivesse no emprego até ao momento em que a outra funcionária recuperasse, então a minha amiga será mandada embora e acaba-se o dilema. Por outro lado, se a funcionária não recuperar, então o contrato da minha amiga é renovado. Ou seja, até ao momento da recuperação ou não da outra funcionária, a minha amiga apenas está a cumprir um dever, está a substituir alguém a pedido de uma instituição que precisa de alguém, porque, em última análise, são as crianças que precisam de alguém que cuide delas nesse intervalo de tempo. É éticamente aceitável e desejável que saibamos honrar compromissos da melhor forma possível, e saibamos também corresponder às necessidades dos outros se for caso disso. Agora, eu poderia perguntar-lhe: então, porque simplesmente não cumpres o teu tempo, aceitando já a possibilidade de vires embora independentemente da recuperação da funcionária, partindo aliás já desse princípio? Porque se partires desse princípio, saberás que para já estás a cumprir um dever, mas quando esse dever terminar sabes que te vens embora. Poderia inclusive procurar outro emprego enquanto estivesse a trabalhar nesse infantário. Em qualquer uma das possibilidades, vinha-se embora. Fim do dilema ético? Então, e ainda que a senhora não recupere, se a minha amiga vier embora ainda assim, não estará ela a fugir ao dever? A instituição precisa dela, as crianças precisam dela e do seu trabalho. Não é justo para as crianças verem caras diferentes de ano a ano. Precisam de estabilidade. E também a minha amiga precisa de estabilidade. Contudo, a minha amiga continua a não querer compactuar com uma possível desgraça alheia. Nesta altura, eu posso perguntar-lhe: e se, mesmo que a funcionária recupere, te for pedido pela instituição para que fiques? Melhor ainda, e se o motivo pelo qual tu sejas convidada a ficar, não seja a morte de alguém, mas o teu mérito puro e simples? Aquilo que eu diria à minha amiga, e que concerteza ela acabaria por entender por ela mesma, seria o seguinte: cumpre o teu dever enquanto ele te é solicitado, e cumpre-o da melhor forma possível. Porque, ao cumprires o teu dever não estás a prejudicar ou a compactuar com a desgraça alheia, e se o fizeres da melhor forma possível é certo que o teu mérito será valorizado na hora de todas as decisões. Serás seleccionada por seres cumpridora e profissional, e não simplesmente porque havia uma vaga livre.

1 comentário:

Anónimo disse...

gostei mesmo muito do teu texto =)
q bom q era despirmo nos mais vezes da nossa típica arrogancia e mais vezes conseguirmos o exercicio da abstracção pa ver fora do nosso mundinho ;) mas pa isso ainda bem q se pode recomendar "menos prozac" e "mais platao" =)e como nao podemos mesmo fugir de nós, dos nossos valores e do nosso sítio, sabemos q os conflitos sempre surgirão. continuemos entao na busca conjunta de aconselhamento!
Inês