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segunda-feira, julho 13, 2009

O lugar da Filosofia - eternidade, validade, utilidade


Actualmente, é patente que a filosofia se debate para assumir um espaço próprio, pelo reconhecimento da sua validade e utilidade num mundo em mudança, dominado pelas ciências e pela técnica. Deixou de ser a procura de um arqué natural, ou uma ciência do ser enquanto ser. A ciência assumiu-se como tribunal último da natureza, das suas causas, leis e comportamentos. Os métodos plenamente empíricos, a experimentação e a possibilidade de verificação dos fenómenos através da observação e da manipulação em meios controlados, assumiram por fim um patamar de validade quase inexpugnável. As questões que eram, em tempos, eminentemente filosóficas, encontraram respostas na ciência e nos seus métodos. A epistemologia, ou seja, a questão essencial de saber como é possível conhecer, ou de onde provém afinal o conhecimento verdadeiro - questão que ocupou os filósofos durante séculos e séculos e que originou dicotomias clássicas como idealismo/realismo, ou racionalismo/empirismo – parece hoje não fazer grande sentido. Ou terá, por outro lado, assumido outra forma, outra abordagem? Um dia, talvez daqui a 2 ou 3 séculos, um historiador da filosofia olhará para trás no tempo e dirá que as mesmas dicotomias, os mesmos problemas filosóficos, estiveram sempre presentes, ainda que camuflados em diferentes conceitos, diferentes abordagens metodológicas, diferentes roupagens conceptuais. É bem possível que tal venha a suceder! Não sabemos. Curiosamente, a ciência é o culminar de toda a especulação epistemológica, de Platão a Kant, do Idealismo das formas puras, ao realismo de um Aristóteles; do cepticismo radical de um Descartes, ao cepticismo falibilista de um Hume; das guerras civis entre empiristas e racionalistas, à conciliação de ambos com um Kant. Porém, parece óbvio que a matemática faz ciência. Desde Pitágoras que se acredita que a matemática é a expressão do mundo e das suas leis, e que só através dela poderão os fenómenos ser compreendidos. Por um lado, ela está verdadeiramente no mundo, ou seja, ela expressa um realismo. Por outro lado, a matemática resulta da conceptualização da mente, das abstracções desta em relação ao mundo e a sua contingência. Esta conceptualização gerada pela mente numa teia de relações (inatas ou adquiridas é uma questão já muito discutida) verdadeiramente é capaz de explicar o mundo exterior e as suas leis, expressando desta forma um idealismo. Seja como for, isto possibilita ao físico teórico estar sentado no seu escritório a escrevinhar fórmulas que conseguem, em última análise, expressar o comportamento de uma galáxia, de um quasar, ou até especular acerca de novos corpos celestes desconhecidos. E porque é que a ciência e os cientistas não dedicam as suas vidas a esta discussão epistemológica? Porque, aparentemente, o importante é que tais métodos funcionam. Enquanto for possível, com os mesmos métodos, colocar homens na lua, ou corroborar hipóteses científicas, então tais métodos são válidos. Enquanto for possível, obviamente, porque, à semelhança desse falibilismo humeano de que já falei, no dia em que determinado método não funcionar, uma de duas coisas terão sucedido: ou o método falhou, ou falhou a teoria. No dia em que a física newtoniana falhou na compreensão do Universo e na análise dos fenómenos físicos, em primeiro lugar colocou-se em causa o Universo, e depois de repetidas incompatibilidades com as novas descobertas, foi necessário inventar uma nova física, menos absoluta, menos dogmática, mais relativista. Essa mesma física tornou possível explicar novos fenómenos, enquanto esses mesmos fenómenos tornaram também possível corroborar essa nova física. É o caso do eclipse solar que provou que a teoria da relatividade de Einstein estava correcta, anos depois desta ter sido enunciada. É por funcionar, ou por ser útil que a ciência se autonomizou verdadeiramente das outras áreas do pensamento. Contudo, esta autonomia não é ilimitada. A ciência tem os seus métodos e o seu caminho próprio, porém, no limite, vê-se confrontada com questões para as quais não tem resposta, nomeadamente no que concerne às fronteiras éticas. A Biologia deve seguir o seu caminho, mas no seu caminhar deve fazer uso de todos os meios para atingir os seus fins? Será ético fazer experiências em chimpanzés, ou até em seres humanos, para salvar o resto da humanidade?
Será ético conduzir experiências físicas de colisão de partículas, mesmo sabendo que, algures no futuro, certos governos farão uso dos resultados obtidos para construir armas de destruição maciça? E é então que, perante estes novos problemas, os mesmos conceitos, as mesmas questões filosóficas do passado fazem todo o sentido. De onde deriva a legitimidade moral ou ética? Onde radica a dignidade do ser humano? Será da alma, ou da sua consciência peculiar? Virá de Deus, ou de algo diferente que nos coloca um grau acima do resto da criação? Deve a ética basear-se numa espécie de direito natural (realismo), ou num direito baseado na nossa autonomia moral, ou racional (lá está o racionalismo a espreitar)? E, se assim é, como podemos nós conhecer e encontrar uma legitimidade quase «científica» para a dignidade humana, para a ética? Será a dignidade uma espécie de transcendental à semelhança do Sumo Bem, do Belo, da Verdade? É aqui que a filosofia reencontra o seu lugar ao sol, pois a ciência, só por si, não tem meios de provar, verificar ou elaborar teorias pragmáticas e empíricas acerca destas questões. Será mesmo assim? E se amanhã a ciência provar (e a ciência acredita estar muito perto disto) que afinal somos mesmo animais, e que os 2 por cento que nos separam do genoma do chimpanzé não garantem nenhuma superioridade moral? Cairá a ética por terra? Teremos o direito e a legitimidade necessária para usarmos os humanos como cobaias, ou para atropelarmos a dignidade humana em prol das multidões? Não me parece. Ainda que a ciência prove que não somos diferentes das formigas, estes problemas nunca desaparecerão, simplesmente porque, para sermos humanos, necessitamos de regras e de códigos para viver em sociedade, e nunca será aceitável, por parte da maioria da humanidade, um estado de «sobrevivência do mais forte», ou de «regresso à cegueira das leis naturais». A confiança no próximo e nas instituições são condição sine qua non para a estabilidade e para a coesão social. Parece-me, sinceramente, que o imperativo categórico kantiano ainda não perdeu o seu valor. E a razão é, ironicamente, bastante simples - ele funciona.

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