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quarta-feira, setembro 24, 2008

Conto Inacabado para Governantes Inacabados





É muito dificil dirigir os homens. É mais fácil empurrá-los.
Tagore, Rabindranath





Tinha nascido para ser rei. Possuía todas as qualidades de um homem nascido para dirigir, liderar, governar. De uma inteligência fabulosa, analítica e racional; uma disciplina prodigiosa que regia a sua vida quase ascética; uma bondade e um senso de justiça exemplar; um carisma que lhe permitia estar tão à vontade com um carpinteiro como com um monarca da sua índole. Nunca acreditou nas ideias de um Maquiavel. Um príncipe não tinha que ser temido para ser respeitado; um príncipe respeitava e fazia-se respeitar, por isso era amado. Conhecia todos os funcionários, secretários, guardas e demais cortesãos pelo nome próprio. Saia frequentemente do reino, quase sempre rodeado apenas da guarda mais próximo. Raramente levava grandes comitivas. Gostava da liberdade de andar entre as pessoas, como um homem normal; partilhava em conversas de pé-de-orelha as suas próprias fraquezas; arrancava das multidões gargalhadas imensas com caricaturas de si próprio. Tinha um humor esplendoroso, brilhante e desarmante. Sabia ser sério na hora certa, mas até a mais séria das crises era enfrentada com a calma de um sorriso confiante. Achava a guerra a manifestação mais pura da fraqueza humana. Estava pronto para defender o seu povo, mas não estava pronto para matar por ele. Fá-lo-ia apenas em última e derradeira instância, quando toda a diplomacia tivesse falhado. Se os seus embaixadores falhassem, ia ele próprio face a face, confrontar o monarca belicoso com a insensatez dos seus planos. A maior parte dos que tinham coragem para fazer a guerra acobardavam-se perante a ideia de se confrontarem num diálogo franco e sério com o monarca adversário. Sabiam ser mais fácil refugiarem-se nos seus emissários e nas soluções ilusórias que a força lhes trazia; muitos conheciam a imoralidade das suas acções, mas desculpavam-se com a realpolitik, ou com a incompetência dos seus diplomatas. O nosso rei sabia tudo isto. Não lhe era indiferente a pesada dificuldade de governação. Sabia que, em certos momentos, os seus ombros quase soçobravam sob o peso de uma só decisão difícil, mas absolutamente necessária. Sabia como era importante para um governante ser inteligente, e também conhecia bem a diferença entre inteligência e esperteza. Ser inteligente, era fazer o certo na hora certa, sem atalhos ou subterfúgios. Ser inteligente era sobretudo saber o que devia ser feito, e ter a coragem para fazê-lo. Um rei devia sempre assumir as suas responsabilidades; ele era o ungido, recebendo a coroa com a noção de que o seu peso consistia mais naquilo que representava do que na quantidade de ouro ou pedras preciosas de que era feita.

O nosso monarca baseava toda a sua governação numa noção própria de Homem. A acção, o serviço governativo tinha como missão libertar o ser humano. Libertá-lo da pobreza, e sobretudo libertá-lo da ignorância. Libertá-lo, mas não forçá-lo. Toda a acção do governante deveria ser pedagógica, exprimir valores e princípios, reforçar instituições de forma a tornar a sociedade independente e auto-crítica. O primeiro dever do rei consistia em dar a todos sem excepção, os meios para por si mesmos, se libertarem da escuridão e do obscurantismo. Todos deveriam aprender a ler, escrever, mas sobretudo a conscientemente exprimirem a suas opiniões acerca do mundo; a sociedade não podia ser feita de escravos, mas de pessoas. A administração do reino tinha se de preocupar com a economia, como é lógico. Era importante que todos se alimentassem, que todos pudessem satisfazer antes de mais as necessidades mais básicas da sobrevivência. O fundamental porém, não era de carácter económico. Só um reino de cultura, de aprendizagem, educação, arte e ciência valia e pena. Um reino não era um grande mercado onde todos compravam e vendiam; onde uns enriqueciam e outros empobreciam. O reino que interessava era o reino da liberdade e da cultura.

Mais poder, mais responsabilidade.
Não basta querer glória, é preciso estar preparado para ela.
Não basta ser maior, há que pagar por isso.
O maior homem de todos os tempos é aquele que assume a responsabilidade de ser quem é.
É aquele que não se esconde,
aquele que não perde tempo a admirar o que pode vir a tornar-se, mas torna-se naquilo que pode vir a ser, deixando para os outros a tarefa de o admirar,
ou de o condenar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Bem escrito e com musicalidade. No entanto eu nao quereria um Rei que se achasse detentor de uma missão pedagógica em vista ao Grande Bem dos súbditos. Laissez faire parece-me sempre favorecer mais a tal liberdade do que esse tipo de «orientação benévola». Como dizia outro provérbio, "De boas intenções...".