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quinta-feira, julho 03, 2008

Irena Sadler - Anjo do Gueto de Varsóvia



Há heróis para todos os gostos. Uns têm glória cedo, outros muito tarde. Mas no fim, quase sempre são reconhecidos por aquilo que fizeram em prol de valores mais altos. O cinema e a mestria de Spielberg imortalizaram Oscar Shindler, o indutrial alemão que salvou 1000 judeus, literalmente comprando-os aos alemães e integrando-os na sua fábrica de armamento que, na verdade, nunca produziu uma bala que fosse capaz de ser disparada. Gastou todo o pecúleo acumulado durante anos e anos para comprar judeus, subornar altos oficiais alemães, manter uma fábrica falhada. Enfim, basta ver a Lista de Schindler para ter uma ideia.

No entanto, outros heróis encontraram o seu lugar ao sol da História. Recentemente ouvimos falar de uma senhora quase centenária, desconhecida até há bem pouco tempo, longe dos holofotes de Hollywood, internada num lar para idosos em Varsóvia. É daqueles casos em que a glória chega tarde, mas é sem sombra de dúvida mais que merecida.


Sabemos que os alemães, antes de enviarem os judeus para os campos e por uma questão de organização, criaram uma cidade dentro de uma cidade - um gueto -, que ficou conhecido como Gueto de Varsóvia. Neste gueto o número de judeus atingiu o meio milhão. Desta forma, os alemães foram lenta e friamente, preparando os judeus para a liquidação e extermínio nos campos de concentração. Os alemães consideravam os judeus sub-homens, homens inferiores pejados de piolhos e doenças. Como tal evitavam o contacto com estes, temendo uma epidemia de tifo que rapidamente se poderia alastrar dentro das condições precárias do gueto. Nomearam pessoal polaco para sujar as mãos e gerir o gueto. Irene Sendler trabalhava no Social Welfare Department, uma espécie de Segurança Social que geria cantinas e assistia sanitariamente e logisticamente os mais pobres de Varsóvia. Claro que os mais pobres de Varsóvia, a certa altura e perante as pesadas restrições impostas pelos alemães, eram os judeus. O tal departamento ficou também responsável por assistir o gueto e os judeus que lá viviam. Pelos vistos a sua fama de «amiga dos judeus» valeu-lhe uma «estrela», não igual à que os judeus foram obrigados a usar, mas uma espécie de marca que a designava pró-judia.

Cedo, a sua influência dentro do departamento permitiu-a entrar em contacto com as familias judias e as suas dificuldades. Permitia-lhe uma enorme liberdade dentro do gueto. A certa altura começou a transportar crianças judias dentro das ambulâncias para fora do gueto, com a desculpa de que estariam com tifo. Entusiasmada, convenceu uma pessoa em cada um dos dez centros que constituiam o departamento de Social Welfare a participar na fuga dos judeus. Conseguiu mover influências que lhe permitiram falsificar milhares de documentos falsos com novas identidades para as crianças judias que se evadiam. A certa altura, depois de sedar as crianças, conseguia evadi-las dentro de sacos de batatas e até caixotes que, supostamente carregavem géneros. Havia uma igreja cristâ dentro do gueto. Leva por vezes crianças judias consigo, fazendo-as sair por uma das duas saidas da igreja que dava para o sector ariano de Varsóvia. Entravam como judeus, saiam como cristãos à vista dos alemães. A pergunta que mais doía e mais pesava na sua consciência vinha dos pais das crianças. Hesitantes em separar-se dos filhos perguntavam-lhe «tem a certeza que vão viver?». Sim, embora não tivesse certeza, o certo é que viveram. Até há pouco tempo, antes de falecer no lar de Varsóvia, muitas desses antigas crianças hoje com 70 anos ou mais, vinham agradecer-lhe e deixar-lhe flores, depois de verem a sua foto nos jornais e a reconhecerem.

Claro que cometem-se erros que podem custar a vida. Sadler foi descoberta, denunciada, sabe-se lá. Ela era a única que sabia a história das 2500 crianças que salvou, inclusive onde viviam e que familias lhes davam acolhimento. A Gestapo torturou-a amarga e duramente, partiu-lhe as pernas, os pés, mas em nenhum momento Irena abriu a boca para contar fosse o que fosse. Ela era a depositária das vidas passadas, e a responsável pelo futuro das crianças que tinha salvo. Perante aquela pergunta «tem a certeza que vão viver?» em forma de jura e de compromisso, Irena havia jurado salvá-las. As crianças nunca souberam o verdadeiro nome da sua salvadora. Conheciam-na por Jolanta, o seu nome de código.

2500 vidas. Eis o saldo da acção desta senhora, embora até ao último dia sempre afirmasse com alguma mágoa que «poderia ter feito mais!». Aquela a quem alguns chamam «Mãe dos Judeus», faleceu a 13 de Maio do ano corrente.

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