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sexta-feira, maio 02, 2008

O Segredo - indústria da mentira



Na semana passada, na Fnac de Santa Catarina assisti a uma cena que não só me deixou perplexo como me pareceu paradigmática do estado de coisas a que este país chegou em termos culturais.

Estava eu sentado numa das poltronas a ler um livro sobre a Segunda Grande Guerra, quando subitamente uma senhora que por ali passava decidiu chamar uma das funcionárias da Fnac. Perguntou-lhe a senhora se o livro de que muita gente fala intitulado O Segredo estaria à venda. Até aí tudo bem. A funcionária solicitamente foi buscar o livro e entregou-o à dita senhora. A dita senhora olhou para o livro, começou lentamente a folheá-lo com a nula prática de quem só quando o rei faz anos lê um livro e prefere deleitar-se com revistas da moda (e isto é apenas conjectura minha). Subitamente a dita senhora pergunta com o ar mais ingénuo do mundo: Diga-me uma coisa, e isto enriquece-nos mesmo?. Desejei verdadeiramente estar na pele da funcionária e ter a oportunidade de afastar daquela mente obscurecida toda e qualquer veleidade de superstição. No entanto, esta apenas respondeu: depende, há pessoas que dizem que sim e até compram os livros relacionados…Fiquei de facto estupefacto. As pessoas no seu íntimo continuam à procura de respostas absolutas e fáceis, tipo receituários para as dificuldades das suas vidas. Vivemos numa época que deveria ser de luz, de um novo Aufklarung, mas a verdade é que o acesso à informação global não garante de modo nenhum a formação que seria de esperar. Descontentes com o Deus dos seus antepassados, os homens constroem para si mesmos bezerros de ouro. A ignorância existe, persiste, e desvela uma idade média latente na sociedade de todos os dias.

Sim, é verdade que hoje vivemos uma certa idade média que resulta do apelo instituído na sociedade ao imediato, ao descartável, ao lucro, ao momento fugaz. A economia impõe que sejamos antes de mais nada bons consumidores, mesmo que para isso tenhamos de manter massas e massas de gente na ignorância pura e simples. Vender bem implica fazer crer, e é tão mais fácil fazer crer quando o objecto do que queremos vender é facilmente manipulável.

Tal senhora provavelmente nunca leu um clássico da literatura, nunca leu um Umberto Eco, nunca leu um Milan Kundera, nunca leu na verdade nada que de facto tivesse algum interesse. Aquilo que pensa é aquilo que a sociedade quer que pense. Aquilo que os outros dizem é a opinião a que adere, e para tal não precisa de grande esforço. Não consegue perceber que infelizmente até a literatura está nos dias de hoje sujeita às leis de mercado, e que maior mercado pode haver que o da fraqueza humana? Que mais pode vender do que a receita para a felicidade, para o fim do sofrimento, para a riqueza material?

É esta gente verdadeiramente livre?

1 comentário:

Diário de uma menina mulher. disse...

Parabéns pelos pensamentos, se pudessemos todos evoluir com o auto conhecimento, seriamos mais felizes. E não nos levariamos tanto pela cabeça dos outros, aqui se vive de aparência e a essência se perdeu.