Anúncios google

sexta-feira, novembro 24, 2006

Mude



Mude
Mas comece devagar,
comece na sua velocidade.

Sente-se diferente, em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.
Quando sair, ande pelo outro lado da rua,
depois mude de caminho,
ande por outras ruas, mais devagar,
observando os lugares por onde passa.
Tome outros ônibus, se for o caso.

Mude por uns tempos o estilo das roupas,
dê os seus sapatos velhos,
procure andar descalço por uns dias.
Tire uma tarde livre
para passear no parque ou na praia.
Saia sozinho para ouvir o canto dos pássaros.

Veja o mundo de outras perspectivas.

Abra gavetas e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama.
Depois, de ponta-cabeça.
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais,
leia outros livros,
viva outros romances.
Troque de carro.
Não faça do hábito um estilo de vida.

- Ame a novidade.

Corrija a postura, faça ginástica, durma mais tarde, ou acorde mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Escolha novas comidas, temperos, cores,
diferentes delícias.
Experimente a gostosura da pouca quantidade.

- Tente o novo todo dia.
O novo lado,
o novo método,
o novo jeito,
o novo sabor,
o novo prazer,
o novo amor.
- A nova vida.

Faça novos amigos, mantenha novas relações,
almoce em outros lugares,
vá a outros restaurantes,
tome outros tipos de bebida,
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo, jante mais tarde - ou vice-versa.
Escolha outro mercado,
outra marca de sabão, novos cremes.
Tome banho em horários variáveis.
Use canetas de outras cores.

Vá passear em outros lugares.
(Comece agora uma viagem para bem longe do aqui.)

Faça amor de modos diferentes.
Troque de bolsa, de carteira, de malas.
compre novos óculos,
escreva outras poesias, jogue fora o despertador.
Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas, novos cabeleireiros,
outros teatros.
Visite novos museus.

- Mude.

Você conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já conhecidas,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento, o dinamismo,
a energia.
Dessa forma, apenas dessa forma - você viverá.
- Só o que está morto não muda!


Edson Marques
No livro Solidão a Mil

quarta-feira, novembro 22, 2006

pseudo-espiritualidade

Muito se fala hoje de espiritualidade e exercícios espirituais. É como uma nova moda, em que abundam as práticas, os métodos, os modelos a seguir. A óptica do seja feliz é hoje um produto de venda fácil ao alcance de qualquer um. A verdade é que já ninguém admite instituições que imponham uma determinada espiritualidade, e a apelo tipicamente ocidental à supremacia do indivíduo passou a fazer parte também dos métodos ditos espirituais. É um pouco a ideia do faça vossa mesmo, sirva-se, como se o ser feliz fosse como ir ao supermercado escolher o produto mais barato, ou de melhor qualidade, desta ou daquela marca. As várias técnicas, muitas derivadas de técnicas orientais (muitas vezes deturpadas), prometem todo o tipo de Nirvanas possíveis, serenidade, calma. Prometem melhor rendimento no trabalho, mais dinheiro, mais amizades e melhores. Prometem libertar-nos dos medos, dos traumas, limpar-nos os chacras, fazer da nossa casa um ninho de energia positiva. E de facto parece tudo tão fácil! É só ir à prateleira da secção Espiritualidades, e está lá tudo. Ou então dois ou três meses de Reiki, ou Yoga, ou tudo ao mesmo tempo num sincretismo de última hora, ao jeito dos modelos de automóveis! A busca da transcendência deixou de ser difícil e tortuosa, aberta apenas aos que se dispõem a abnegação e ao sacrifício, para se tornar uma filosofia de vida ao serviço de um tipo de felicidade tudo menos espiritual. Nenhuma pessoa devidamente votada a uma prática realmente espiritual fá-lo porque quer mais dinheiro, ou mais sucesso no trabalho. Não é para servir uma sociedade assim individualista, que a espiritualidade existe. Toda a prática dita espiritual torna-se puramente exterior e fugaz quando não tem como fim ideais maiores de justiça, igualdade, fraternidade. A sociedade democrática liberal de que fazemos parte aprendeu a relegar para segundo plano toda a prática religiosa. O civil sobrepõe-se ao religioso. Aprendemos que há religiões que são autênticas filosofias de vida, porque não estamos habituados a viver a espiritualidade quotidianamente, até ao mais ínfimo pormenor da nossa existência ao jeito de um hindu ou um muçulmano. O budismo é tão filosofia de vida como o Cristianismo. A diferença está em viver ou não a religião que se abraça. Não há budistas nem hindus só ao Domingo (de manhã), mas todos os dias e a todas as horas. E o mesmo se aplica à maioria dos muçulmanos.

A espiritualidade em voga na sociedade ocidental de hoje está menos ao serviço de um aperfeiçoamento verdadeiro do espírito do que ao dos próprios interesses económicos de que deriva. Não se faz yoga ou reiki, ou budismo para se um ser humano melhor. Não se lê Depkap Chopra, ou o Código Da Vinci porque de facto liberte. Lê-se porque o fosso espiritual é tão grande, o vazio de ideais tão agravado por anos e anos de positivismo infundamentado e idolatria do Lucro, que a necessidade do homem light é prover-se de um apoio qualquer que torne a sua vida mais significante, no meio da insignificância e do atordoamento geral do sem-sentido.
A espiritualidade verdadeira é outra, e essa exige sacrifico, abnegação, aperfeiçoamento da sensibilidade, do amor aos homens e à Verdade. Todas essas pseudo espiritualidades são perfeitamente válidas se assentarem numa vontade verdadeiramente sentida de mudança, aperfeiçoamento; se forem instrumentos de procura do caminho do Ser, e não do Ter; se nos levarem a uma redescoberta de nós mesmos e da nossa posição no Universo; se de facto servirem o altruísmo e não o egoísmo. Assim, aprende mais quem larga tudo para correr em busca de quem já não tem forças para lutar, do que quem atropela um velho no passeio porque já vai atrasado para a aula de tai chi…Fico mais enriquecido a ler a biografia de um Gandhi, do que toda a obra do Osho

quarta-feira, novembro 15, 2006

Ao jeito dialéctico

Colocarei uma questão à qual me esforçarei para dar resposta. Deus existe? Comecemos muito devagar, com passos breves mas sólidos. Em primeiro lugar devemos definir Deus e existência. É verdade. A pergunta só vale se soubermos ao certo o que entender por Deus, e o que entender por existência. Poderemos chegar a dois caminhos distintos. Um dir-nos-á que a pergunta de facto é absurda, e nunca se poderá pô-la nestes termos; o outro dar-nos-á, senão uma resposta, pelo menos uma proposta humilde de resolução. O problema começa na definição de Deus, e se de facto Deus pode sequer definir-se. Se por um lado ele de facto existe, então cabe-nos perceber se a definição que dele possuímos, ou a ideia que dele possuímos de facto corresponde ao Deus real. Se não existe, cabe-nos entender então se o que existe é Deus, ou uma ideia profundamente enraizada, ou até várias ideias enraizadas dele. O problema desta questão é que nunca de facto perceberemos se Deus é de facto Deus, enquanto não respondermos à primeira das questões que propus. Responder à primeira das questões implica responder a uma vasta panóplia de outras questões. E porquê? Porque, a existir, Deus não é uma realidade a que se tenha acesso facilmente, como uma árvore, uma maça, um homem. Estamos formatados para pôr em questão tudo o que não se apresente de forma imediata, palpável, mensurável. Faz-nos uma enorme confusão que algo possa fugir à régua, ao esquadro, que algo possa ser tido como existente quando nunca foi medido, registado e anotado numa categoria aceite universalmente. Falo de ciência. Porque relatos da visão de Deus existem em todas as religiões. E aqui provavelmente já estou a pecar, pois já estou a alargar Deus a todas as formas de adoração. Neste sentido, e porque quando se afirma também se nega, já estou a negar um conceito de Deus mais fechado, como o é o Deus dos Cristãos, ou o dos muçulmanos, ou dos judeus. Busquemos a essência das religiões monoteístas e de forma quase imediata encontramos o mesmo Deus. E os hindus? Nos hindus temos o Absoluto de onde tudo emana: Brahma. No budismo temos o quê? Alguns dizem o Nada e negam que se possa falar num Deus. A mim não me parece, pois o budismo não é mais do que uma das muitas formas de hinduísmo. O hinduísmo vem há séculos clamando pela libertação, pela iluminação, pelo Nirvana. O Budismo é sobretudo uma doutrina que resulta de um caminho que um homem fez em direcção ao Nirvana. Esse homem mais não fez do que cumprir o mandamento hindu da compaixão, ensinando o seu caminho a outros. Então, podemos afirmar que nestas que são as principais religiões está presente uma entidade. Em traços essenciais, quais são as características desta entidade? Todas as formas de adoração reclamam a sua existência. É criadora, não criada, portanto, eterna. Revela-se a seres humanos especiais: os profetas, os imãs, os bodisatvas. Mas, sem me alargar pela definição e pela história das religiões, é importante que volte ao caminho de onde vim. Deus é incognoscível? Se o for, nada o poderá provar, no verdadeiro sentido. Está fora de qualquer conceptualização. Nada feito. Se Deus for cognoscível, conceptualizavel, qual o sentido da Fé? Qual o sentido do Mistério? Devemos de facto eliminar a dimensão do Mistério considerando-a apenas uma deficiência, a manifestação de uma falta a suprir no conhecimento do Deus, ou como uma importante dimensão da relação que temos com o divino? Se assim for, põe-se de facto a hipótese, não só da absoluta impossibilidade de conhecer Deus no sentido ontológico das categorias racionais, mas sobretudo da impossibilidade de separar Deus do seu Mistério, ou da Fé. Se assim não for, e Deus for tão cognoscível como um planeta ou uma árvore à espera de uma taxinomia que a faça pertencer ao panteão dos fenómenos observáveis, devemos então questionarmo-nos sobre a incapacidade da nossa razão em ainda não ter descoberto nada. Afinal o que pode estar a falhar? Muita coisa. Em primeiro lugar podemos estar enganados acerca do objecto que procuramos. Em segundo podemos não estar a procurar de forma correcta. Em terceiro lugar podemos não só estar enganados acerca do que procuramos, como não estarmos sequer a procurar da melhor maneira. No fundo podemos estar na demanda de uma ilusão, como cavaleiros do Graal, ou então a ilusão esteja na forma como procuramos. Por ventura, talvez nem devêssemos procurar…

Existência. A existência do latim «ekxistere» implica uma presença, a admissão por parte de um sujeito de um objecto definível, qualificável. Não nego porém a outra possibilidade: existe também o que não foi admitido e apercebido pelo sujeito, pelo menos como uma possibilidade de ser. Existir é no fundo a concretização de uma realidade, embora essa realidade possa ter dimensões variadas consoante os sujeitos que as apercebem, as suas intencionalidades, os seus valores. Quando alguém nos pergunta...

Continua...

sexta-feira, novembro 10, 2006

Do lado de fora





Somos no caminho tomados pelas mais excruciantes questões. Os escolhos atravessam-se, as dúvidas insistem tolher-nos a velocidade, lesta e constante, provavelmente para lugar nenhum. Dicere quid? Fazer o quê? Andar mais devagar? Sentar enquanto a turba passa, olhares sem brilho, braços cruzando os espaços sem uma força maior que os anime, um desejo mais profundo que os faça cortar o ar em socos de profunda vontade de superação das verdades aceites. São pontos que vagueiam em círculos, varas da roda da necessidade – e vejam que não digo roda da verdade -.
Estou sentado. Para muitos dos que passam estou parado. Estagnei. Não tardará a que seja esquecido, ou a que me passem por cima como um pobre de espírito que não logrou integrar-se. Sou um inadaptado.
Do lado de cá só sei sorrir. Do lado de cá só sei chorar. Ainda não compreenderam eles que andar em círculos é andar para lado nenhum. Que estando eu parado a seus olhos, não faço mais do que arrepiar caminho numa direcção diferente, e acreditem eles que não tardará a que sintam vontade de me seguir. E eu tudo farei para que me sigam. Engano-me, sigam o meu caminho, que não é mais do que a mais básica vereda aos país de todos os caminhos, que só ao homem pertencem, e só o homem poderá reclamá-los para si na mais que legitima procura do seu ser verdadeiro.
Estamos bem devagar cimentando muros à nossa volta. A Liberdade é cada vez mais o produto da nossa própria ignorância. Não tardará a que chamemos casa às grades que levantamos, glorificando a chave com que fechamos a porta como se fosse a chave da próprio Sentido.
Eu talvez prefira manter a porta aberta, e bem aberta. No que depender de mim a chave fica longe, atiro-a ao primeiro ribeiro por onde passe. Mas na prisão, ribeiros não os há…